11 de junho de 2009

virações de homem e de bicho



Um dia, a onça-rei, o Iauaretê, transformou-se em guerreiro kamaiurá para casar com a bela Kamacuã. De dia, homem, de noite, bicho. A moça logo desconfiou e acabaria descobrindo o segredo da viração. Mas o fato que parecesse muito estranho, fantástico mesmo, não impediu o amor entre a jovem e seu noivo-animal, e tiveram dois filhos: Juruá e Iauaretê-mirim. Os meninos cresceram e já rapazes separaram-se por dois caminhos que existem no mundo desde sempre: o caminho da justiça e o caminho da destruição. Qual deles terá razão? Na Natureza, tudo se renova e busca equilíbrio. Juruá virou peixe, Iauaretê-mirim conseguiu uma pena mágica da Acuã e voou para encontrar Jacy-Tatá, a senhora-estrela dos segredos dos pajés.

Assim, com o movimento das transformações, homem e bicho nessas histórias se confundem porque são parentes: jabuti, coelho, boto, anta, raposa, todos compartilham de uma única sabedoria — muitas existências, mas também muitas situações engraçadas.

Kaká Werá Jecupé, no livro AS FABULOSAS FÁBULAS DE IAUARETÊ (Peirópolis, 2007) reconta uma série de fábulas brasileiras que nasceram com as culturas tupi, kadiweu, bororo e munduruku, espalhadas de norte a sul do país e compiladas, pela primeira vez, pelo general Couto de Magalhães, em 1873. Todavia, o engenho de Kaká Werá deu aquele toque de índio, inventando uma trama novelesca para acomodá-las.


O efeito fabuloso é conquistado pelas seqüências de viração mágica, no entanto o feitio de toda obra é tramado num palavreado fácil que, elegante, desenrola-se da primeira à última página, dado um jeito de contar gracioso e preciso em que nada parece faltar — nem sobrar. Para repetirmos uma metáfora de Jacy-Tatá, como quem desperta estrelas dentro do tronco das árvores, Kaká Werá consegue ultrapassar o limite do simples registro de antigas histórias para transformá-las em narração literária.

As aventuras e desventuras de Iauaretê são acompanhadas pelos desenhos de Sawara, filha do próprio autor, emprestando ao livro um ar despretensioso, bem resolvido através do projeto gráfico de Iago Sartini.


* Extraído de Dobras da Leitura 47, ago.2007
Revisto em 30 de ago. 2014, e 19 de abr. 2018

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